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sábado, 26 de abril de 2014

OLHOS DE UM CEGO

         Segunda-feira, por volta das cinco e meia da tarde, eu caminhava pela rua Coriolano Milhomem. A rua já mostrava um movimento frenético de carros para lá e para cá, visto que as pessoas retornavam de mais uma jornada de trabalho.
         Ao atravessar a rua, vi um cego ao meu lado, com uma bengala que ele segurava erguida e um cachorrinho ao colo. O cego atravessou a rua tranquilamente, sem se importar com os veículos que ali circulavam.
         Seus passos firmes pareciam os de uma pessoa com dois olhos perfeitos e uma percepção aguçada.
         Após atravessar a rua, o cego continuou sua caminhada. Resolvi acompanhá-lo, para conseguir entender como um cego conseguia locomover-se daquela forma, e isso sem usar sequer a muleta.
         Nenhum buraco ou desnível da rua atrapalhava os passos do cego. Ele, com os olhos fechados, desviava-se de um buraco aqui, pulava uma poça acolá. Caminhava incrivelmente bem.
         Notei que a cada obstáculo vencido o cego aconchegava o cachorrinho e lhe dizia:
_ Muito bem, amiguinho!
         Curioso, aproximei-me. Examinei-lhe e, depois de vencer minha relutância, questionei-lhe como ele andava tão perfeitamente. Ao que ele respondeu:

_Totó nasceu sem olhos; emprestei-lhe os meus.

Autor: Osiel Ferreira

sexta-feira, 7 de março de 2014

Análise do filme "Ensaio sobre a cegueira" (Saramago)

Direito e sociedade: os limiares do indivíduo e a ordem social.

            Em o “Ensaio sobre a cegueira”, um dos maiores escritores em Língua Portuguesa, José Saramago (1922-2010) leva-nos à reflexões sobre o ser humano, sua natureza, seus anseios, virtudes e paixões, contrastando com a ordem social, o direito, as normas, as regras de convivência em sociedade. Inspira-nos uma análise comportamental do homem, diante de crises que expõe-no aos limites – até que ponto o sentimento de humanidade permanece vivo e ativo em uma sociedade desprovida de referenciais de conduta (anomia)?. Tudo isso, é claro, posto em análise através de uma perspectiva sociológica, visto que não se concebe o homem alienado de sua condição social.
            Ao meditarmos sobre o cenário oferecido por Saramago, podemos evidenciar três perspectivas, não limitativas, portanto: a) a sociedade e seu poder sobre o indivíduo – controle social; b) o indivíduo e a luta pela sobrevivência; e c) a sociedade e a percepção da realidade.
            Na primeira perspectiva, entende-se que a ordem social legitima o poder de controle da sociedade sobre o indivíduo. Nesse contexto, a ordem social vigente determina as normas de conduta que cada indivíduo deve obedecer, visando à coexistência pacífica, ou o mínimo de observância das regras que garanta a continuação do corpo social. Nesse diapasão, a “internação” forçada daqueles que foram acometidos pela cegueira, “o mal branco”, encontra amparo, visto que a importância e o interesse social subjugam o interesse e o valor individual – neste ponto até o valor da vida e a dignidade da pessoa humana são desprezadas, pois os internos não podem ultrapassar certo limite, sob pena de serem prontamente abatidos.  
            O segundo enfoque revela a situação anômica experienciada pela sociedade, ou seja, o desregramento, a perda de todos os referenciais de conduta em sociedade – anomia. Segundo Felippe Augusto de Miranda Rosa, citado por Ana Lúcia Sabadell, anomia pode ser verificada em três situações: i) quando o indivíduo transgride as normas, pois o mesmo não se submete à estrutura social; ii) quando o indivíduo é posto diante de uma situação conflituosa em que a norma contradiz suas crenças individuais; e iii) numa situação em que há perda dos referenciais, não apenas no plano individual, mas para toda a sociedade[1]. Sobre o terceiro prisma, afirma Sabadell:
Não se trata somente de um problema dos indivíduos que transgridem as regras de comportamento, nem de uma situação de conflito de deveres em casos concretos, mas de uma crise social de caráter amplo, na qual os membros de grandes grupos sociais (e a sociedade mesma) “não sabem o que fazer”.
            Dentre os teóricos que descreveram a anomia, dois sociólogos ganharam destaque no meio acadêmico: Durkheim e Merton. No entanto, ao analisarmos a situação generalizada de perda de valores e referencias por toda a sociedade mostrada em o “Ensaio sobre a cegueira”, percebemos que os dois teóricos nos fornecem explicações limitadas, pois, segundo Realino Marra, citado por Sabadell, nas análises sobre a anomia o indivíduo é sempre colocado como protagonista da desordem anômica[2]. A contrario sensu, na trama orquestrada por Saramago toda a civilização encontra-se em colapso, pois a sua organização, seu modo de ser e existir foram dizimados pelo “mar branco leitoso” da cegueira.
            Nesse contexto de perda dos referenciais ditados pela ordem social, pois a ordem social não mais existe, o indivíduo, exposto às suas fraquezas e debilidades, é desafiado à sobrevivência. Nesta luta, todos são expostos a um dilema interior, em que conflitam as necessidades mais básicas para conservação da vida material (alimento e proteção) e o sentimento de humanidade que ainda lhes resta.
            A terceira perspectiva, representada na trama pela única pessoa imune à cegueira – a esposa do médico oftalmologista –, induz-nos à considerações filosóficas acerca da realidade. Em outros termos, a percepção da verdadeira realidade social não pertence a todos, senão a poucos indivíduos que, por não terem sido afetados pelo “mar branco”, podem enxergar a situação de desordem em que a sociedade moderna se encontra.
            Por fim, verifica-se que numa situação de crise geral todas as instituições sociais e as normas ditadas por elas revelam-se frágeis. O que na verdade mostra-se forte, assim devendo permanecer, é o sentimento de humanidade que, independentemente das normas escritas e convenções sociais, resiste às intempéries que venham a assolar a sociedade.
     Autor: Osiel Ferreira       




[1] Sabadell, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica : introdução a uma leitura externa do direito. Ana Lucia Sabadell. — São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2000. (p. 69).
[2] Sabadell, obra citada, p. 76.

POLEGAR EQUIVOCADO




            Em casa, depois de um dia cansativo de trabalho, minha mãe e eu estávamos no sofá da sala, assistindo a um documentário em DVD - um desses sobre a violência do homem contra a natureza.
            Olhei o relógio, já contando os minutos para cair na cama e descansar. Eram oito e trinta e cinco. As pálpebras quase se fechando, quando o meu celular tocou e, antes que eu terminasse o monossílabo oi, uma mulher do outro lado da linha, em tom exaltado e ameaçador, pergunta-me: “Foi você?”
            Sem entender absolutamente nada, gastei alguns segundos verificando em minha mente se acontecera algum momento crítico, durante o dia, que motivasse tal questionamento; nada recordei.
            Pensei em perguntar quem era e do quê se tratava, mas, antes que eu pronunciasse a primeira sílaba da palavra “senhora”, a mulher mandou que eu calasse, pois iria falar tudo o que ela desejava, disse ela.
            Tentei replicar, na tentativa de que ela me ouvisse. Frustrei-me. Ela continuou a esbravejar e a falar sobre um relacionamento, traições e cartas enviadas ao suposto amor da vida dela, contando sobre suas peripécias amorosas; coisas sem nexo algum para mim.
            Tapando o microfone do celular com uma das mãos, respondi à minha mãe que eu não sabia quem era, quando questionado por ela. Fui orientado a desligar o celular. No entanto, resolvi ouvir mais um pouco, e ver aonde iria chegar a ladainha daquela desconhecida que, no mínimo, estava perturbada.
Passaram-se vinte minutos e a mulher continuava a “berrar” ao celular. Todas as minhas interpelações foram malfadadas, porquanto ela não me dava nenhuma chance de ao menos pronunciar duas sílabas.
Enfim, calou-se. Passaram-se, ao todo, trinta e cinco minutos. Eu continuava calado. Pasmo. Mudo. Demoraram alguns segundos e, como não falei absolutamente nada, ela disse em tom debochado: “NÃO VAI FALAR NADA!?” Ao que respondi: “Minha senhora, sou Armando Henrique. E a senhora, quem é?”...

Nada me respondeu. Desligou o celular na minha cara. Antes, pude escutar bem baixinho: “Ai, meu Deus! Que vergonha!”
Autor: Osiel Ferreira

quarta-feira, 5 de março de 2014

Resenha DIREITO PENAL DO EQUILÍBRIO - Rogério Greco

                

                Conforme o site oficial do autor, Rogério Greco é procurador de justiça do estado de Minas Gerais, desde 1989; membro fundador do Instituto de Ciências Penais (ICP) e da Associação de Professores de Ciências Penais; Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (Espanha) e Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais; professor de Direito Penal da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) e do Curso de pós-graduação em Ciências Penais da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas gerais e Embaixador de Cristo. Dentre as várias obras publicadas, destacamos as seguintes: Direito Penal; Estrutura Jurídica do Crime; Curso de Direito Penal – Parte Geral e Parte Especial; Direitos Humanos, Sistema Prisional e Alternativas à Privação de Liberdade e a obra em análise Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal.
          O Direito Penal do Equilíbrio, segundo Greco, ocupa uma posição moderada em relação aos movimentos extremistas do Direito Penal Máximo, tese defendida por Gunter Jakobs, que postula a expansão das leis penais, e o movimento Abolicionista, que tem como seu mais ilustre defensor o professor holandês Louk Hulsman.
            Inicialmente, Greco critica o discurso oportunista midiático que eleva sobremaneira a sensação de insegurança e impunidade, quando o crime organizado mostra uma audácia evolutiva, diante da ineficácia do Estado em conter a violência, o qual deveria promover, em primeira instância, a concretização das normas constitucionais que, infelizmente, ainda operam apenas como orientações programáticas nas esferas do poder. A contrario sensu, oferece o Estado Penal em substituição ao Estado Social, preconizado constitucionalmente. Ademais, o autor critica as propostas de “políticos inescrupulosos” (Greco, 2005, p. 2) que, usando discursos demagógicos, com fins meramente eleitoreiros, propõem a pena de morte, mesmo em face da vedação expressa no texto constitucional.
            Pondo à prova as características do atual Direito Penal, a saber, sua natureza seletiva – o Direito Penal tem um público alvo definido, ou seja, os indivíduos pertencentes às classes desfavorecidas economicamente –, o tempo e recursos perdidos com a investigação e punição de delitos de pequeno ou nenhum potencial ofensivo, quando os crimes relevantes são “escamoteados”, Greco preleciona que “com a retirada dos tipos penais incriminadores, que somente tem o condão de servir a interesses de alguns em detrimento de muitos, o discurso crítico será voltado não mais ao processo de inflação, mas, sim, à deflação legislativa” (Greco, 2005, p. 3). Em outros termos, Greco defende, em primeiro plano, a retirada de todas as contravenções penais do nosso Direito Penal. O autor defende que tal medida irá desobstruir a atividade policial, que estará pronta para investigar com eficiência o fato criminoso e, ao mesmo tempo, trará condições necessárias a que os juizados criminais operem o devido julgamento dos crimes caros à sociedade.
            Asseverando que “é nossa missão fazer uma distinção, mesmo que breve, dos atuais discursos penais, deixando a descoberto suas verdadeiras intenções para que, ao final, possamos optar, racionalmente, por um deles” (Greco, 2005, p.5), no capítulo 2 da obra, o jurista mineiro ocupa-se em dissertar acerca dos três movimentos ideológicos: o Abolicionismo, o movimento de Lei e Ordem e o Direito Penal Mínimo.
      Conforme lições do eminente autor, citando Antonio de Padova Marqui Junior, o movimento abolicionista tem suas origens conferidas ao advogado e professor italiano Fellipo Gramatica, que por meio do Centro de Estudos de Defesa Social, denunciava as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial e adotava posição radical em relação ao Direito Penal, inclusive, tendo militado em defesa de sua extinção. No entanto, foi Louk Hulsman quem mais altiloquência emprestou às ideias abolicionistas.
           Como depreende-se da leitura da obra, o movimento abolicionista prega que Direito Penal tem um público-alvo, ou seja, sua atuação é marcadamente  discriminatória; é irracional e cruel; não consegue cumprir suas funções  elementares: reprovação e prevenção; mostra-se incapaz de resolver conflitos sociais; não possui legitimidade, pois agride o direito fundamental à liberdade e, por fim, que os demais ramos do Direito são capazes de resolver os conflitos. Ademais, como afirma Louk Hulsman, citado por Greco: “As ciências criminais puseram em evidência a relatividade do conceito de infração, que varia no tempo e no espaço, de tal modo que o que é ‘delituoso’ em um contexto é aceitável em outro” (Greco, 2005, p. 9).
            Em que pese a crítica abolicionista, impregnada de humanismo, ser muito válida, pois expõe as mazelas do Sistema Penal, a abolição radical do cárcere parece, até para alguns teóricos abolicionistas, um sonho distante, uma utopia. Mesmo sendo um militante abolicionista, Thomas Mathiesen, citado por Greco, reconhece, mesmo que em última instância, a necessidade de encarcerar certos indivíduos (Greco, 2005, p. 10).
            O movimento de Lei e Ordem, conforme lição de Greco, ganhou projeção a partir do final do século passado e início do atual, através do discurso midiático de “profissionais não habilitados” (Greco, 2005, p. 12), propugnando a criação de novos tipos penais, a supressão de garantias constitucionais, levando a sociedade a crer que o Direito Penal Máximo seria a solução para os conflitos que assolavam a sociedade da época.
            Nesta perspectiva, duas vertentes político-criminais são destacadas: o movimento denominado Tolerância Zero – implantado em Nova York, na década de 1990, pelo prefeito Rudolph Giuliani e por Willian Bratton, chefe de polícia – e o Direito Penal do Inimigo, teorizado por Gunter Jakobs. A primeira tinha por fito “[...] refrear o medo das classes médias e superiores – as que votam – por meio da perseguição permanente dos pobres nos espaços públicos [...] (Wacquant, citado por Greco, 2005, p. 13). A segunda vertente propõe um Direito Penal despreocupado com os princípios e garantias fundamentais, pois, conforme Jakobs, estaríamos diante de uma verdadeiro estado de guerra, em que os indivíduos que delinquem não devem ser considerados cidadãos, sim, inimigos do Estado (Greco, 2005, p. 18).
            Em nossos dias, é assente que nenhum desses movimentos político-criminais devem ser aceitos em nossa sociedade, pois o princípio da dignidade da pessoa humana não pode ser sacrificado por nenhuma política estatal. Ademais, como é cediço, o Direito Penal do Inimigo ou Direito Penal do Autor teve plena aplicação durante o regime autoritário hitlerista na Alemanha, responsável pelo trucidamento de judeus, prostitutas, homossexuais e dos apenas denominados estranhos à comunidade, que tiveram a infelicidade de serem vítimas de tamanha barbárie, o que causou feridas indeléveis no corpo social.
            Por fim, Greco preleciona sobre o Direito Penal Mínimo. Partindo da premissa de que o Direito Penal deve ocupar-se em proteger unicamente os bens “necessários e vitais ao convívio social” (Greco, 2005, p. 24), o autor elege vários princípios orientadores do processo legislativo e indispensáveis à atuação dos aplicadores da lei penal. Assevera o jurista:
Dentre os princípios indispensáveis ao raciocínio do Direito Penal Mínimo, podemos destacar os da: a) dignidade da pessoa humana; b) intervenção mínima; c) lesividade; d) adequação social; e) insignificância; f) individualização da pena; g) proporcionalidade; h) responsabilidade pessoal; i) limitação das penas; j) culpabilidade; e k) legalidade. (GRECO, 2005, p. 24).
            Fernando Ferreira dos Santos, ao dissertar sobre a dignidade da pessoa humana, afirma que ela é “o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais” (Santos, 1998, p.11). Greco partilha do mesmo pensamento ao elegê-lo como princípio norteador de todos os demais princípios orientadores do Direito Penal Mínimo.
            Segundo o autor, o princípio da intervenção mínima reclama que o Direito Penal deve proteger exclusivamente os bens mais importantes para que a coesão social não seja rompida, lembrando que a natureza desse ramo do direito é subsidiária.
            Pelo princípio da adequação social busca-se coadunar a criação e revogação dos tipos penais de acordo com a vida material em sociedade. Em outros termos, condutas ou práticas toleradas socialmente não devem fazer parte do rol de infrações penais.
            “O princípio da lesividade seria o terceiro passo necessário à criação dos tipos penais” (Greco, 2005, p. 26). Destarte, mesmo que se tenha certeza de que o bem é importante, e a lesão a esse bem seja inadequada socialmente, só poderá ser alvo de proteção do Direito Penal se a conduta do agente fugir ao âmbito individual.
           Conforme o autor, para que a aplicação dos princípios anteriores não fiquem apenas no plano abstrato, há a necessidade de observância do princípio da insignificância no caso concreto, pois a persecução penal haverá de ser interrompida por carência de tipicidade material.
           O princípio da individualização da pena, consagrado no Texto Constitucional, no inciso XLVI do Art. 5º, estabelece-nos o raciocínio de que os bens protegidos pelo Direito Penal não gozam de uma mesma importância, por isso cabe à lei atribuir a cada bem a sua devida importância, revelada na punição imposta à lesão.
            O raciocínio anterior leva-nos ao princípio da proporcionalidade, pois “para que a pena não seja a violência de um ou muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela lei”. (Beccaria, 2010, p. 127).
          Formalmente, a Constituição Federal, no inciso XLV do Art. 5º, preconiza que “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, estabelecendo consectariamente o princípio da responsabilidade pessoal ou intranscendência da pena.
            Ainda no rol constitucional encontramos o princípio da limitação das penas. No Art. 5º, inciso XLVII, elenca as penas vedadas constitucionalmente, por serem contrárias ao sentido dos direito fundamentais.
        Pelo princípio da culpabilidade “torna-se impossível a intervenção do Direito Penal quando a conduta do agente não for passível  de censura, vez que, na situação que se encontrava, não podia ter agido de outro modo, assevera Greco (Greco, 2005, p. 28).
            Por fim, o princípio da legalidade “deverá ser observado para fins de aferição formal e material, ou seja, deverá o intérprete não somente avaliar a legalidade formal, mas, e principalmente, a legalidade material” (Greco, 2005, p. 28). Em outros termos, cabe ao intérprete o dever de verificar se o processo legislativo foi observado, e se a lei penal goza de amparo constitucional.
            Consectariamente, diante do exposto nestas breves linhas, o desenvolvimento da sociedade reclama um Direito Penal mais humanizado, centrado na garantia de segurança, mas sem esquecer-se das conquistas em matéria de Direitos Humanos. Destarte, a obra do douto jurista mineiro, além de ser fonte de conhecimento jurídico, tem o fito de servir de crítica ao atual modelo de Sistema Penal, ao tempo em que aponta soluções mais condizentes com as necessidades de uma sociedade dinâmica.

 REFERÊNCIAS

– Beccaria, Cesare. Dos delitos e das penas. – 2º edição, CL EDIJUR – Leme, SP, 2010.

–SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/160>. Acesso em: 14 de abr. 2012. 














terça-feira, 4 de março de 2014

BUSCA DO AMOR

Busco, procuro encontrar 
Na eterna busca do amar
Um amor que seja só meu
Que meu amor seja só seu

Procuro, busco encontrar
Na busca eterna do amar
Um amor que d'alma aprendeu
Que leve embora a dor que corroeu

domingo, 8 de julho de 2012

Resenha de "Teoria Pura do Direito" - Hans Kelsen (Cap. I a IV)



           Considerado por muitos como o maior jurista do Século XX, Hans Kelsen nasceu em Praga, Império Austro-húngaro, em 1881, tendo morrido nos Estados Unidos, em 1973, aos 92 anos, já consagrado mundialmente como o fundador da Escola Normativista ou Escola de Viena. Ao longo de sua carreira jurídica publicou várias obras – ao todo, mais de quatrocentas -, dentre elas, Teoria Geral do Estado, Direito Internacional e Estado Soberano, O que é justiça, Teoria Geral do Direito e do Estado, porém, a que mais repercutiu, sendo a mais estudada, corroborada ou negada, sem dúvidas, tem sido a Teoria Pura do Direito.
            Prefaciando sua obra, Kelsen afirma que durante duas décadas havia se dedicado a elaborar uma Teoria Pura do Direito, “isto é, depurada de toda ideologia política e de todo elemento científico-cultural, teoria jurídica presa à sua especificidade em razão da legalidade inerente a seu objeto”. Em outros termos, Kelsen pretendia livrar a ciência do direito de todos os elementos estranhos, principalmente o Direito Natural, orientando-a “apenas para o conhecimento do direito e porque deseja excluir deste conhecimento tudo o que não pertence a esse exato objeto jurídico” (KELSEN, 2007, p. 52).
            O autor explicita as bases da Teoria Pura do Direito como sendo uma teoria do direito positivo, restrito apenas a ele, não pertencendo a uma determinada ordem jurídica; define-a como “teoria geral e não interpretação especial, nacional ou internacional, de normas jurídicas” (Kelsen, 2007, p. 52).
         Considerando que, até aquele momento, a teoria geral do direito não poderia ser considerada uma teoria verdadeiramente “científica”, Kelsen, em Teoria Pura do Direito, objetiva estabelecer as bases da “verdadeira” ciência do direito e elevá-la à mesma posição das ciências naturais, “aproximando, tanto quanto possível, os resultados obtidos, do ideal de toda ciência, ou seja, a objetividade e a exatidão” (Kelsen, in Prefácio).
               Segundo a Teoria Pura do Direito, a norma é a fonte do conhecimento jurídico - não é à toa que o autor é considerado o fundador da Escola Normativista -, sendo elaborada por meio de uma ato jurídico e, adquirindo significado através de outra norma, atua como esquema de interpretação dos atos e consequências jurídicos. Afirma Kelsen:
Com a tese de que só as normas jurídicas podem constituir o objeto do conhecimento jurídico, afirma-se apenas uma tautologia, pois, no Direito, o único objeto do conhecimento jurídico é a norma; mas a norma é a única categoria que, no âmbito da natureza, não encontra nenhuma aplicação”. (KELSEN, 2007, p. 56).
Sobre as normas, Kelsen acrescenta que dizer que a norma tem validade significa afirmar que ela tem uma validade espaço-temporal, que é capaz de regular o comportamento humano, que está inserida em um ordenamento jurídico efetivo, ou seja, que é capaz de impor-se através de elementos coercitivos, em suma, “quando se fala no processo de validade da norma, nada mais se deve exprimir com isso, senão a existência específica da norma [...](KELSEN, 2007, p. 57).
            É notória a preocupação do autor em dissociar o direito das demais ciências, justificando que sempre aquele foi associado à moral. Neste sentido, afirma que não se pode negar o imperativo de que o direito deva ser moral, ou seja, “deva ser bom”. No entanto, enfatiza que a concepção de direito como elemento da moral e a acepção de que o direito, de alguma forma, seja moral devem ser repelidas.
            Kelsen discorre sobre a necessidade de se desvincular o direito da moral para, consectariamente, afirmar, segundo a Teoria Pura do Direito, que as várias acepções de direito como “justiça” – regularmente presentes nas concepções de Direito Natural, daí o motivo do embate – são incompatíveis com o direito positivo, pois elas possuem caráter absoluto, na medida em que não podem ser apreendidas pelo conhecimento racional. Neste sentido, assevera Roberto Lyra Filho, em O que é Direito:
“[...] íustum quia iussum (justo, porque ordenado), que define o positivismo, enquanto este não vê maneira de inserir, na sua teoria do Direito, a crítica à injustiça das normas, limitando-se ou a proclamar que estas contêm toda justiça possível ou dizer que o problema da injustiça “não é jurídico”; (FILHO, 1982, p.17).
            O renomado jurista concebe sua Teoria Pura do Direito como conhecimento anti-ideológico, na medida em que se manifesta como uma “Teoria do Direito radical-realista”, ou seja, “apresenta o direito como ele é, sem legitimá-lo como justo ou desqualificá-lo como injusto; ela indaga do direito real e do possível, e não do direito justo” (KELSEN, 2007, p. 63). Ademais, “justamente por sua tendência anti-ideológica é que a Teoria Pura do Direito se manifesta como verdadeira ciência do direito” (Kelsen, 2007, p. 63). Segundo Kelsen:
“A ciência tem o conhecimento como aspiração imanente, qual seja, revelar seu objeto. A ideologia, porém, encobre a verdade, com a intenção de preservá-la, de defendê-la, transfigurá-la, ou, na intenção de agredi-la, de destruí-la, substituí-la através de outra, desfigurando-a”. (KELSEN, 2007, p. 63, 64).
           Outro conceito interessante na Teoria Pura do Direito é o da antijuridicidade. Na tentativa de cada vez mais aproximar sua teoria das teorias científicas, Kelsen procura assemelhar o liame dos fatos explicados cientificamente – causalidade – do elo entre condição jurídica e consequência jurídica – a imputação.
            Segundo a Teoria Pura do Direito, o objetivo do ordenamento jurídico seria “o de motivar os homens a uma conduta, através da representação desse mal [poder coercitivo] que os ameaça, no caso de uma conduta, uma conduta contrária”. (KELSEN, 2007, p. 72). Afirma também que a norma jurídica que não leva em consideração o dispositivo jurídico que enlaça a condição jurídica à consequência jurídica, ou seja, o ato coercitivo – a imputação –, “não pode ser a expressão do direito”. (KELSEN, 2007, p. 74).
            Um dos pontos nodais da Teoria de Kelsen situa-se no conjunto do ordenamento jurídico e seu escalonamento, qual seja, a fundamentação teórica da unidade composta de uma pluralidade de normas. Como fundamento desse encadeamento das normas de um ordenamento jurídico, ou seja, sua unidade, Kelsen concebe a denominada “Norma Fundamental”, “como fonte comum, [que] constitui a unidade na pluralidade de todas as normas que integram um ordenamento”. (Kelsen, 2007, p. 94). Sobre o significado da norma fundamental, Kelsen assevera:
“A Teoria Pura do Direito opera com essa norma jurídica fundamental como se fora uma situação hipotética. Sob a suposição de que ela vale, vale também o ordenamento jurídico sob o qual repousa. Confere ao ato do primeiro legislador e, por isso, a todos os demais atos que repousam no ordenamento jurídico [...]”. (KELSEN, 2007, p. 97).
        É de suma importância destacar o pensamento kelseniano em relação ao escalonamento do ordenamento jurídico. Nele a Norma Fundamental coloca a Constituição no posto jurídico-positivo mais elevado, tendo esta a função de “regular os órgãos e o procedimento da produção jurídica geral, ou seja, da legislação”. (Kelsen, 2007, p. 103).
É mister destacar o procedimento elaborado por Kelsen quando determinada lei for produzida de forma não prescrita e contiver conteúdo diverso do texto constitucional; neste caso, a norma gozará de validade, por estar positivada, cabendo a decisão de anulação a um Tribunal Constitucional.
Aprioristicamente, podemos afirmar que várias são as contribuições kelsenianas para a “ciência do direito”, afinal, ninguém seria considerado “o maior jurista do seu tempo” se não tivesse sido relevante para o seu momento histórico, nem houvesse legado conhecimentos importantes para os momentos históricos futuros.
Entretanto, urge-nos explicitar algumas ideias críticas acerca das concepções kelsenianas, especificamente sobre a Teoria Pura do Direito; pois, é assente que mesmo para os conhecimentos válidos e relevantes a crítica é indispensável à construção de novos conhecimentos. Do contrário, desenvolvem-se conhecimentos enrijecidos, até mesmo, como meros dogmas.
Em primeiro lugar, considera-se que a “Teoria Pura do Direito” não é uma teoria “pura”, na acepção de que esteja isenta de ideologias. Ela é fruto da doutrina positivista, no afã de “neutralidade axiológica”.
A empresa de Kelsen em desejar uma “ciência do direito” com métodos próprios, sobretudo, buscando “objetividade e exatidão” em seus resultados, é passível de crítica, pois, até mesmo para as ciências naturais a “objetividade e a exatidão” nem sempre se confirmam. Para a Física, por exemplo, as propriedades da luz dependem do modo como é observada.
Outra crítica, inclusive citada por Kelsen, é que teorizar direito sem levar em consideração as concepções de justiça seria o mesmo que forjar bases a ordenamentos jurídicos meramente formais e desumanos, em que se desloca a importância central do homem para a norma, servindo apenas como instrumento de dominação e poder, relegando a um plano inferior as conquistas históricas da humanidade.
A abstração teórica da “Norma Fundamental” constitui-se numa acepção metafísica, o que a aproxima do Direito Natural.
Ademais, a crítica ao pensamento kelseniano em desejar uma separação absoluta entre direito e moral. A moral deve pertencer ao universo das relações jurídicas, inclusive, como fonte do direito.
No entanto, cabe aqui reafirmarmos a importância histórica de Kelsen – não apenas histórica, mas como construtor de conhecimento – e afirmar que as críticas oriundas apenas de conhecimentos fragmentados, podem constituir-se apenas em preconceitos, pois os conhecimentos relevantes produzidos pelo mais fecundo literato jurídico do Século XX não se esgotam apenas em uma obra. Afinal, como diria o grande mestre, Machado de Assis, “o diabo não é tão feio como se pinta”.
Referências:
-KELSEN, Hans, 1881-1973. Teoria Pura do direito: introdução à problemática científica do direito / Hans Kelsen; tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. - 5 ed.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. Cap. I - IV.
-TORRES, Ana Paula Repolês. Uma análise epistemológica da teoria pura de Hans Kelsen. Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 72-77, abr./jun.2006. Disponível em:  <http://www.cjf.jus.br/revista/numero33/artigo09.pdf> Acesso em: 01 de Maio. 2012.   
-O que? Teoria Pura do Direito. Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: <http:www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/7229.pdf> Acesso em: 01 de Maio. 2012.  

Resenhista: Osiel Ferreira.










sábado, 7 de julho de 2012

Resenha: "A Luta Pelo Direito" - Rudolf von Ihering


             Nascido em Aurich, Alemanha, o notório jurista alemão e professor universitário Rudolf von Ihering, 1818-1892,  tem sido louvado através dos séculos, não apenas por ser um egrégio jurisconsulto, como também pelo seu determinismo em despertar no espírito humano a vontade moral que deve mover o sentimento jurídico. Ihering lecionou em diversas universidades europeias, tendo sido bastante influenciado pelo Direito Romano, assim como todo o Direito Alemão. Em 1872, fruto de um seminário organizado por Ihering para a comunidade jurídica de Viena, publica o opúsculo “A Luta Pelo Direito”, que influenciou e perpetua-se a influir as gerações de juristas, acadêmicos e a todos quantos despertam para o saber jurídico ou, ao menos, permitam-se apreciar a obra.
Iniciando sua obra, Ihering explicita que o desiderato do Direito é a paz; a luta o único meio de consegui-la. Reconhece que esta ideia implica uma antítese – para ele, irremediável, pois é da própria natureza da ideia do Direito – esclarecendo, no entanto, que a luta não é da injustiça contra o direito; pelo contrário, o direito deve lutar contra toda injustiça. Assevera que se o Direito pudesse se omitir desta luta, equivaleria a despojar-se de sua própria natureza, sua essência.
Segundo o autor, não há direito no mundo que tenha sido adquirido sem luta; afirma que os princípios ora vigentes remetem-nos a uma luta anterior, em que nossos antepassados, através da luta, impuseram àqueles que contrapunham-se em reconhecê-los. Por fim, considera sectários de uma utopia àqueles que divagam em pensamentos de uma paz perpétua.
Fazendo uma analogia com a deusa Iustitia (romanos) ou Themis (gregos), Ihering entende que o direito só prevalece quando a força despendida para erguer a espada e a habilidade para manejar a balança correspondem. Neste sentido, evidencia-se que o caráter do Direito não é apenas aquele doutrinado pela Escola Normativista; depreende-se, como mencionado alhures, que “A Luta Pelo Direito” é marcada por um fervoroso embate contra a injustiça, sem, é claro, esquecermo-nos do seu caráter moral e ético.
Notadamente influenciado pela doutrina lockeana acerca da propriedade, Ihering afirma que a luta está para o Direito, assim como o trabalho para a propriedade. É mister lembrar que este conceito de propriedade, aliado ao trabalho, acompanha o autor em toda a sua obra.
Ihering critica o posicionamento doutrinário – que ele denomina de a “Escola romântica do Direito” – de Savigny e Puchta, segundo os quais o direito desenvolve-se de modo singelo à semelhança da linguagem; sendo fruto de uma longa evolução lenta e indolor, à medida que a razão humana é iluminada pelo poder da persuasão, revestindo-o de legalidade. Tal doutrina, para o autor, mesmo não sendo perigosa, é errônea, pois induz o homem a acomodar-se diante das situações e esperar, acreditando que tudo se encaminha por si mesmo. Reconhece que esta era a ideia que tinha do Direito ao sair do círculo acadêmico. No entanto, é contundente em reafirmar que todas as conquistas históricas da humanidade – a abolição da escravatura, a liberdade de consciência, o direito de propriedade etc. –, despenderam grandes esforços, até mesmo batalhas sangrentas foram travadas em lutas que atravessaram os séculos. Analogamente ao parto, considera o nascimento do Direito um fenômeno doloroso e difícil.
Ademais, estima que quanto mais esforços um povo envida para conquistar os seus direitos mais irá valorizá-los, defendendo-os com amor e tenacidade. Dessa forma, desqualifica a ideia de que unicamente o costume é suficiente para gerar os laços que unem os povos ao seu direito.
Na segundo parte da obra, ocupa-se em discutir a luta desencadeada a partir de uma lesão ou subtração ao direito concreto, ou seja, o direito em seu caráter subjetivo. Reconhecendo que nenhuma esfera do Direito está livre de lesões ou permutações, elege a luta pelo direito privado como foco para a discussão da luta pelo direito. Evocando os tempos idos da Idade Média, Ihering faz lembrar que as querelas decididas pela espada nos duelos não significavam apenas uma luta pelo valor pecuniário das coisas, ao contrário, defendia-se o direito de cada um, lutava-se pela sua honra, sua própria pessoa. Com pesar, Ihering lamenta constatar que, em sua época, perdera-se o sentimento da dor moral pelo direito lesado, reconhecendo-se apenas o valor pecuniário das causas. Sobre isso, cita o caso em que um juiz, para desvencilhar-se de um processo de pouco valor, ofereceu-se a pagar o montante do litígio ao querelante, e irritara-se quando este recusou tal oferta.
A terceira parte é dedicada a discutir a luta pelo direito na esfera individual. Nela o autor recomenda àquele que tiver seu direito lesado o dever de resistir; não apenas para conservar sua existência material, sobretudo, para a conservação da sua existência moral. Neste aspecto, empresta-se do pensamento romano que afirmava que o homem sem direito desce ao nível do embrutecimento. Para Ihering, abster-se da luta pelo direito equivale a um suicídio moral, e que, renunciando-se a uma das condições particulares da existência moral, tal como a propriedade, a honra, renuncia-se a todo o direito.
No Capítulo IV, A luta pelo direito na esfera social, Ihering empenha-se em provar que a defesa do direito, longe de ser apenas uma atitude meramente individual, é um dever do homem para com a sociedade. Neste intuito, de antemão, procura esclarecer a relação existente entre o direito objetivo e o subjetivo. Contrariando o pensamento jurídico dominante em sua época acerca dessa relação, concebe a existência de uma mútua dependência, em que o direito concreto recebe as condições de existência do direito abstrato, no entanto, devolve-lhe a vida e força que dele recebe. Nas palavras do autor, essa relação compara-se à circulação sanguínea, que tendo início no coração, para ele retorna. Em outras palavras, defendendo o direito subjetivo, o homem defende a lei, ou seja, luta pelo direito inteiro na porção em que seu direito pessoal se insere.
Importante é registrar o pensamento do autor a respeito das arbitrariedades cometidas por aqueles que, revestidos de autoridade pública, deveriam lutar pelo direito contra as injustiças. Assevera que nenhuma injustiça que possamos sofrer compara-se à injustiça praticada pela autoridade estabelecida, quanto esta viola o direito. Para o autor, o verdadeiro pecado mortal é o que ele denomina de “assassinato judiciário”. Ihering lembra que, nos primórdios de Roma, ao juiz que se corrompia restava uma sentença: a pena de morte. Nota-se mais uma vez o caráter ético e moral de “A Luta Pelo Direito”.
Finalizando sua obra, Ihering questiona até que ponto ou em que proporção o direito de sua época – o Direito Romano tal como era aplicado na Alemanha –, correspondia aos princípios e condições por ele desenvolvidos em seu magistral opúsculo. Categoricamente, afirma que está muito distante das verdadeiras pretensões que movem o sentimento legal na luta pelo direito. Censurando a ausência de idealismo jurídico de sua época, evoca os tempos áureos de Roma, em que, segundo o autor, o dinheiro em si não constituía o desiderato, mas o meio para consegui-lo.
“A Luta Pelo Direito” é, sem dúvidas, uma obra apaixonante para todos os que se permitem apreciá-la, como dissemos alhures. Sua linguagem simples – ao que parece proposta do autor – torna fácil a compreensão dos conceitos, até mesmo, para aqueles desprovidos de um mais aprofundado conhecimento do universo jurídico. Sobretudo, é necessário destacar, a determinação de Ihering em convencer-nos que vale a pena engajarmo-nos na luta pelo direito, não importando o preço que venhamos a pagar por causa desta decisão, pois, a omissão equivale à pior espécie de morte, o suicídio moral. Portanto, “A Luta Pelo Direito” continua atual, porque, como bem disse o egrégio advogado Rui Barbosa: “quem não luta por seus direitos, não é digno deles”.

Referência: IHERING, Rudolf von. A Luta Pelo Direito, São Paulo, Editora: Martin Claret, 2002.

Resenhista: Osiel Ferreira.