Nascido em Aurich, Alemanha, o notório jurista alemão e professor universitário Rudolf von Ihering, 1818-1892, tem sido louvado através dos séculos, não apenas por ser um egrégio jurisconsulto, como também pelo seu determinismo em despertar no espírito humano a vontade moral que deve mover o sentimento jurídico. Ihering lecionou em diversas universidades europeias, tendo sido bastante influenciado pelo Direito Romano, assim como todo o Direito Alemão. Em 1872, fruto de um seminário organizado por Ihering para a comunidade jurídica de Viena, publica o opúsculo “A Luta Pelo Direito”, que influenciou e perpetua-se a influir as gerações de juristas, acadêmicos e a todos quantos despertam para o saber jurídico ou, ao menos, permitam-se apreciar a obra.
Iniciando
sua obra, Ihering explicita que o desiderato do Direito é a paz; a luta o único
meio de consegui-la. Reconhece que esta ideia implica uma antítese – para ele,
irremediável, pois é da própria natureza da ideia do Direito – esclarecendo, no
entanto, que a luta não é da injustiça contra o direito; pelo contrário, o
direito deve lutar contra toda injustiça. Assevera que se o Direito pudesse se
omitir desta luta, equivaleria a despojar-se de sua própria natureza, sua
essência.
Segundo
o autor, não há direito no mundo que tenha sido adquirido sem luta; afirma que
os princípios ora vigentes remetem-nos a uma luta anterior, em que nossos
antepassados, através da luta, impuseram àqueles que contrapunham-se em
reconhecê-los. Por fim, considera sectários de uma utopia àqueles que divagam
em pensamentos de uma paz perpétua.
Fazendo
uma analogia com a deusa Iustitia (romanos)
ou Themis (gregos), Ihering entende que o direito só prevalece quando a força
despendida para erguer a espada e a habilidade para manejar a balança
correspondem. Neste sentido, evidencia-se que o caráter do Direito não é apenas
aquele doutrinado pela Escola Normativista; depreende-se, como mencionado
alhures, que “A Luta Pelo Direito” é marcada por um fervoroso embate contra a
injustiça, sem, é claro, esquecermo-nos do seu caráter moral e ético.
Notadamente
influenciado pela doutrina lockeana acerca da propriedade, Ihering afirma que a
luta está para o Direito, assim como o trabalho para a propriedade. É mister
lembrar que este conceito de propriedade, aliado ao trabalho, acompanha o autor
em toda a sua obra.
Ihering
critica o posicionamento doutrinário – que ele denomina de a “Escola romântica
do Direito” – de Savigny e Puchta, segundo os quais o direito desenvolve-se de
modo singelo à semelhança da linguagem; sendo fruto de uma longa evolução lenta
e indolor, à medida que a razão humana é iluminada pelo poder da persuasão,
revestindo-o de legalidade. Tal doutrina, para o autor, mesmo não sendo perigosa,
é errônea, pois induz o homem a acomodar-se diante das situações e esperar,
acreditando que tudo se encaminha por si mesmo. Reconhece que esta era a ideia
que tinha do Direito ao sair do círculo acadêmico. No entanto, é contundente em
reafirmar que todas as conquistas históricas da humanidade – a abolição da
escravatura, a liberdade de consciência, o direito de propriedade etc. –,
despenderam grandes esforços, até mesmo batalhas sangrentas foram travadas em
lutas que atravessaram os séculos. Analogamente ao parto, considera o
nascimento do Direito um fenômeno doloroso e difícil.
Ademais,
estima que quanto mais esforços um povo envida para conquistar os seus
direitos mais irá valorizá-los, defendendo-os com amor e tenacidade. Dessa
forma, desqualifica a ideia de que unicamente o costume é suficiente para gerar
os laços que unem os povos ao seu direito.
Na
segundo parte da obra, ocupa-se em discutir a luta desencadeada a partir de uma
lesão ou subtração ao direito concreto, ou seja, o direito em seu caráter
subjetivo. Reconhecendo que nenhuma esfera do Direito está livre de lesões ou
permutações, elege a luta pelo direito privado como foco para a discussão da
luta pelo direito. Evocando os tempos idos da Idade Média, Ihering faz lembrar
que as querelas decididas pela espada nos duelos não significavam apenas uma
luta pelo valor pecuniário das coisas, ao contrário, defendia-se o direito de
cada um, lutava-se pela sua honra, sua própria pessoa. Com pesar, Ihering
lamenta constatar que, em sua época, perdera-se o sentimento da dor moral pelo
direito lesado, reconhecendo-se apenas o valor pecuniário das causas. Sobre
isso, cita o caso em que um juiz, para desvencilhar-se de um processo de pouco
valor, ofereceu-se a pagar o montante do litígio ao querelante, e irritara-se
quando este recusou tal oferta.
A
terceira parte é dedicada a discutir a luta pelo direito na esfera individual.
Nela o autor recomenda àquele que tiver seu direito lesado o dever de resistir;
não apenas para conservar sua existência material, sobretudo, para a
conservação da sua existência moral. Neste aspecto, empresta-se do pensamento
romano que afirmava que o homem sem direito desce ao nível do embrutecimento.
Para Ihering, abster-se da luta pelo direito equivale a um suicídio moral, e
que, renunciando-se a uma das condições particulares da existência moral, tal
como a propriedade, a honra, renuncia-se a todo o direito.
No
Capítulo IV, A luta pelo direito na esfera social, Ihering empenha-se em provar
que a defesa do direito, longe de ser apenas uma atitude meramente individual,
é um dever do homem para com a sociedade. Neste intuito, de antemão, procura
esclarecer a relação existente entre o direito objetivo e o subjetivo.
Contrariando o pensamento jurídico dominante em sua época acerca dessa relação,
concebe a existência de uma mútua dependência, em que o direito concreto recebe
as condições de existência do direito abstrato, no entanto, devolve-lhe a vida
e força que dele recebe. Nas palavras do autor, essa relação compara-se à circulação
sanguínea, que tendo início no coração, para ele retorna. Em outras palavras,
defendendo o direito subjetivo, o homem defende a lei, ou seja, luta pelo
direito inteiro na porção em que seu direito pessoal se insere.
Importante
é registrar o pensamento do autor a respeito das arbitrariedades cometidas por
aqueles que, revestidos de autoridade pública, deveriam lutar pelo direito
contra as injustiças. Assevera que nenhuma injustiça que possamos sofrer
compara-se à injustiça praticada pela autoridade estabelecida, quanto esta
viola o direito. Para o autor, o verdadeiro pecado mortal é o que ele denomina
de “assassinato judiciário”. Ihering lembra que, nos primórdios de Roma, ao
juiz que se corrompia restava uma sentença: a pena de morte. Nota-se mais uma
vez o caráter ético e moral de “A Luta Pelo Direito”.
Finalizando
sua obra, Ihering questiona até que ponto ou em que proporção o direito de sua
época – o Direito Romano tal como era aplicado na Alemanha –, correspondia aos
princípios e condições por ele desenvolvidos em seu magistral opúsculo.
Categoricamente, afirma que está muito distante das verdadeiras pretensões que
movem o sentimento legal na luta pelo direito. Censurando a ausência de
idealismo jurídico de sua época, evoca os tempos áureos de Roma, em que,
segundo o autor, o dinheiro em si não constituía o desiderato, mas o meio para consegui-lo.
“A
Luta Pelo Direito” é, sem dúvidas, uma obra apaixonante para todos os que se
permitem apreciá-la, como dissemos alhures. Sua linguagem simples – ao que
parece proposta do autor – torna fácil a compreensão dos conceitos, até mesmo, para
aqueles desprovidos de um mais aprofundado conhecimento do universo jurídico. Sobretudo,
é necessário destacar, a determinação de Ihering em convencer-nos que vale a
pena engajarmo-nos na luta pelo direito, não importando o preço que venhamos a
pagar por causa desta decisão, pois, a omissão equivale à pior espécie de
morte, o suicídio moral. Portanto, “A Luta Pelo Direito” continua atual,
porque, como bem disse o egrégio advogado Rui Barbosa: “quem não luta por seus
direitos, não é digno deles”.
Referência: IHERING, Rudolf von. A Luta Pelo Direito, São Paulo, Editora: Martin Claret, 2002.
Resenhista: Osiel Ferreira.
Referência: IHERING, Rudolf von. A Luta Pelo Direito, São Paulo, Editora: Martin Claret, 2002.
Resenhista: Osiel Ferreira.
Excelente resenha! Pra quem já teve oportunidade de ler a obra, essa resenha organiza bem as ideias do autor. Parabéns a quem escreveu!
ResponderExcluirGrato, Karine!
ResponderExcluirEmocionante muito bem colocada
ResponderExcluirGrato, Aciara Neto!
Excluir